“Bem-Aventurados os Pobres Pelo Espírito!” (Mateus 5, 3)
Nem no texto grego do primeiro século, nem na tradução latina da Vulgata se encontra o tópico “pobres de
espírito”, mas sim “pobres pelo espírito”, ou seja, “pobres segundo o
espírito.” [...]
Jesus proclama bem-aventurados,
cidadãos do reino dos céus, agora e aqui mesmo, todos
aqueles que são pobres, ou desapegados, dos bens terrenos, não pela força
compulsória das circunstâncias externas e fortuitas, mas sim pela livre e
espontânea escolha espiritual; os que, podendo possuir bens materiais,
resolveram livremente despossuir-se deles, por amor aos bens espirituais, fiéis
ao espírito do Cristo: “Não acumuleis para vós bens na terra — mas acumulai
bens nos céus.”
Essa libertação da escravidão
material pela força espiritual supõe uma grande experiência e iluminação
interna. Ninguém abandona algo que ele considera valioso sem que encontre
algo mais valioso. [...] É da íntima psicologia humana que cada um retenha
aquilo que ele julga mais valioso.
O verdadeiro
abandono, porém, não consiste em uma fuga ou deserção externa, mas
sim em uma libertação interna. Pode o milionário possuir externamente os
seus milhões, e estar internamente liberto deles, e pode, também, o
mendigo não possuir bens materiais e, no entanto, viver escravizado pelo
desejo de os possuir, e, neste caso, é ele escravo daquilo que não
possui, assim como o milionário pode ser livre daquilo que possui. Este possui sem ser possuído — aquele
é possuído pelo que não possui. O que decide não é possuir ou
não possuir externamente — o principal é saber possuir ou não possuir.
Ser rico ou ser pobre são coisas que nos acontecem, de fora — mas a arte de
saber ser rico ou de ser pobre, é algo que nós produzimos, de dentro. O que nos
faz bons ou maus não é aquilo que nos acontece, mas sim o que nós mesmos
fazemos e somos.
A verdadeira liberdade, ou seu contrário,
consiste numa atitude do sujeito, [...]
“O que de fora entra no homem não torna o homem impuro — mas o que de dentro sai do homem e nasce em seu coração, isto sim torna o homem impuro” — ou também, puro, conforme a índole desse elemento interno. Ser rico não é pecado — ser pobre não é virtude. Virtude ou pecado é saber ou não saber ser rico ou pobre.
[...] Aquele jovem rico do Evangelho, ao que
parece, era incapaz de possuir sem ser possuído; por isso, o divino Mestre
lhe recomendou que se despossuísse de tudo a fim de não ser possuído de nada —
mas ele falhou. E por isso se retirou, triste e pesaroso, “porque era possuidor
de muitos bens”. Possuidor? Não, “era possuído de muitos bens”.
Entre possuidor
e possuído há, verbalmente, apenas a diferença de uma letra, o ― “r” —
mas esse “r” fez uma diferença enorme, porque é o “r” da redenção.
O possuído é escravo — o possuidor não possuído é remido da escravidão.
Quem [...] sabe possuir sem ser possuído pode possuir. [...]
Bem-aventurados
os pobres pelo espírito, os que, pela força do espírito, se emanciparam da
escravidão da matéria. Deles é o reino dos céus, agora, aqui, e para sempre e
por toda a parte, porque, sendo que o reino dos
céus está dentro do homem, esse homem leva consigo o reino da sua
felicidade aonde quer que vá...
O nosso pequeno ego humano é muito
fraco, e necessita de ser escorado por muitos bens materiais para se sentir um
pouco mais forte e seguro, mas o nosso Eu divino é tão forte que pode
dispensar essas escoras e muletas externas e sentir-se perfeitamente seguro
pela força interna do espírito.
Todo o problema está em saber ultrapassar a
fraqueza e insegurança do ego e entrar na força e segurança do Eu...
Bem-aventurado esse pobre do ego
— e esse rico do Eu!... Dele é o
reino dos céus!...”
O Sermão da Montanha - Huberto Rohden.